A engenharia de software evoluiu drasticamente nas últimas duas décadas. Vimos a consolidação de paradigmas como Domain-Driven Design (DDD), Cloud Computing, e Service-Orientation. Além disso, surgiram novos conceitos como Data Lake e Data Mesh, que focam na análise de dados e tomada de decisão. Esses movimentos destacam uma forte influência do design centrado nos domínios de negócio.
No início dos anos 2000, muitos desenvolvedores, inclusive eu, foram influenciados pelos evangelistas do DDD, como Eric Evans e Vaughn Vernon. A comunidade ficou empolgada com a organização semântica e expressiva do DDD, mas muitas vezes confundia seus padrões táticos com abordagens estratégicas. Isso levou à errônea percepção de que DDD era um padrão arquitetural.
Design e Organização de Código
Robert C. Martin (Uncle Bob), em seu livro "Clean Architecture", apresenta quatro estratégias de organização de código que são cruciais para o desenvolvimento de software sustentável. Vamos explorar essas estratégias com exemplos práticos.
Pacote por Camada:
A abordagem tradicional organiza o código em camadas, cada uma dependendo da camada adjacente mais baixa. Por exemplo, em uma aplicação de e-commerce, podemos ter camadas de Apresentação, Serviço e Persistência.
Vantagens:
Fácil de entender e implementar inicialmente. Rapidez para criar algo funcional.
Desvantagens:
Torna-se insuficiente para aplicações complexas. Não expressa diretamente o domínio de negócio.
Pacote por Recurso:
Essa abordagem organiza o código por recursos de domínio, criando uma divisão vertical. Por exemplo, em uma aplicação de gestão hospitalar, poderíamos ter pacotes para Pacientes, Médicos e Consultas.
Vantagens:
Reflete a linguagem do domínio de negócio. Facilita a localização de funcionalidades relacionadas.
Desvantagens:
Pode ser vago na definição de limites entre recursos.
Portas e Adaptadores:
Também conhecida como Arquitetura Hexagonal, essa abordagem separa o código de domínio dos detalhes de implementação, como acesso a banco de dados. Por exemplo, uma aplicação de blog pode ter adaptadores para diferentes fontes de dados (SQL, NoSQL).
Vantagens:
Código de domínio independente de detalhes técnicos. Facilita testes unitários e integração.
Desvantagens:
Pode ser complexa para desenvolvedores iniciantes.
Pacote por Componente:
A abordagem de pacote por componente é híbrida, agrupando responsabilidades relacionadas a um único componente. Por exemplo, uma aplicação de gerenciamento de projetos pode ter pacotes para Tarefas, Usuários e Relatórios.
Vantagens:
Promove alta coesão e baixo acoplamento. Facilita a transição para microsserviços.
Desvantagens:
Requer maior esforço inicial para definir componentes.
Ponderações sobre a Clean Architecture e seu Autor
Apesar de suas vantagens, a Clean Architecture pode resultar em rigidez se aplicada de forma estrita. Em alguns casos, isso pode levar ao overengineering, onde o foco em manter o código "limpo" supera os benefícios práticos.
Uncle Bob, uma figura polêmica, é conhecido por suas afirmações fortes e ideias inovadoras. Embora suas contribuições sejam inegáveis, é essencial avaliar criticamente suas metodologias à luz das necessidades específicas de cada projeto.
Por exemplo, em um projeto onde a equipe é pequena e os requisitos são claros, uma abordagem mais simples e direta pode ser mais eficiente do que uma implementação completa da Clean Architecture.
Conclusão
A Clean Architecture oferece uma abordagem valiosa para o design de software, mas deve ser aplicada com discernimento. É crucial adaptar seus princípios às necessidades e contextos específicos de cada projeto, evitando a adoção superficial que pode resultar em complexidade desnecessária.
Ao considerar estratégias como Pacote por Camada, Pacote por Recurso, Portas e Adaptadores, e Pacote por Componente, as equipes de desenvolvimento devem ponderar sobre a melhor forma de atender às necessidades dos usuários finais, promovendo uma linguagem de negócio clara e uma arquitetura sustentável.
Em suma, a flexibilidade e pragmatismo no design de software são fundamentais para criar soluções que realmente agreguem valor aos usuários, além de manter um código organizado e fácil de manter. A reflexão crítica sobre as decisões de design é essencial para evitar armadilhas comuns e garantir o sucesso a longo prazo.